segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Repostagem - O amigo que eu nunca tive.


Bem, todos sabem da minha perda juvenil, e aos que não sabem, esse texto é dedicado ao meu amigo Vinícius que faleceu de leucemia, esta é uma carta de despedida, é algo que queria renovar aqui no Orbis Pictus, ter um texto destes perto é como um conforto pra mim, sem mais, The Friend i never meet:

É amigo, cinco anos, hein? Deixou pra trás seu coração, sabe que tantas coisas já aconteceram? E o vento traz consigo as lembranças, ah... Bons tempos, não? E a chuva cai com o seu sorriso de sempre e dilacera quando a noite chega. E as nuvens de domingo cortejam suas viagens—Vais tão cedo?—Elas dizem.

Sabe que as folhas bailam em tua homenagem? Eu fiquei... Eu fiquei... Guardo pra ti os presentes.O mundo deu mais uma volta, e até hoje a dor é a mesma, daqueles tempos que o sol ainda brilhava e os lampejos voltavam ao seu leito. A brisa te levou tão suave. Quando a ventania traz sua presença, eu nem sei o que dizer, sempre está comigo, não? Levou boa parte de mim, meu velho. Voltando em mim em cada alvorecer, os passos ainda meio tortos, olhos cansados demais, o tempo não parou e tende a distanciar-se.

Instantâneo demais, como se pode plantar felicidade assim? Não posso mais retribuir o favor, é o que mais me dói. Viajo pelos sonhos à procura do valor centesimal, estrela cadente-ascendente. As peças não se juntam aqui, dentro, bem lá dentro. Aonde eu tinha ido quando aconteceu? Velho amigo, espero que ainda aceite minha amizade, nem pensaria duas vezes se pudesse tirar essa falta, trazer de volta e ir em seu lugar, mas faço melhor, vivo duas vezes, vivo por todos e tenho uma queda feliz, porque foi você quem fez meu outono, não se luta com a vida, não é? Depois de tanto tempo seu rosto vai se desmanchando na minha memória, seus atos vão perdendo a intensidade, eu também. Eu nunca me despedi.

Como se o vento me abandonasse e a cor me aplaudisse de longe, gelado demais aqui. Gelado demais... Disritmia, o tempo aumenta o badalar, essa serenidade não é qualidade não. Dilacera meu ser em impotência, o sol ameno ainda ofuscando meus olhos, preferia mil vezes o desespero em sua presença que a felicidade total sem ti. A mínima brisa me balança—Ande, vá em frente—diz puxando minhas vestes, sorrio mil vezes para o céu, mas ainda assim ando olhando para o chão. Fugindo? Não, só envergonhado. Só envergonhado...

Duas árvores gêmeas semeiam a porta para o céu e o inferno. Dizem que foi ali que o homem mais perto de Deus morreu. Eu me perdi justamente porta afora, podendo ainda avistar o farfalhar de suas folhas, o grito de sempre entalado, palavras que nunca foram ditas, cadernos que nunca foram escritos, domingos que nunca vivi, sonhando demais. Humano é um ser frágil demais, eu busquei até no inferno, pode ter certeza. Nunca te achei e sei por quê. Único lugar que eu nunca vou alcançar homem que anda pelos sonhos, mentes e corações sem nunca se segurar, estando rodeado e só, se compreendendo somente, andarilho.

Seu caminho é outro, e neste aqui tento suportar a estrada sinuosa. A minha roupa é de retalhos, sim. Minhas sandálias já estão gastas, sim. E contigo, está a melodia de espera. Melodia que nunca acaba e que em cada acorde eu posso ver que já se passou, nem notei que se foram cinco anos e agora eu digo, Obrigado. Cinco anos, hein? Deixou pra trás seu coração.

Adeus e até logo.

L.

sábado, 28 de novembro de 2009

Lullaby




Seu nome foi jogado ao vento, sussurrado de um jeito meio cuidadoso, os olhos de quem o lançara estavam serrilhados, com sua mente aberta e coração vibrante em mãos, era inverno e seus sentimentos estavam congelados, olhava febril sob o parapeito da janela, respirando, sutilmente... E é delicado dizer que era de uma forma criminosa que ele suspirava uma noite adocicada com alguns laços de saudade. Fazia dias que ele esperava o sol nascer.

Ele apontava os versos do mundo com o topo do dedo, esperando que as poesias trouxessem de volta o marchante sol sob as novas rimas do horizonte. E esperava, como se o amor que um dia se acabou poente sobre as montanhas um dia pudesse culminar coroando as memórias que outrora se foram. E não sei dizer se seus passos se perderam aos sonhos ou se fora o contrário, onde eram os sonhos que o preenchiam, perdidos, nas paredes de seu ser.

E assim como na noite que desaguava no teto do céu, também eram seus pensamentos, turvos, manchados com a sombra da chuva, manchados com a marca do tempo. Com o lábaro de todos os seus tormentos, com a força de todas as suas imaginações. E era nele que o mundo também esperava. Ao léu e sem prumo, sem leme! Suas verdades aos rastros do sol e era assim, mais uma vez que vos digo, que ele esperava, seu nome perdido ao relento, suas vestes torneadas ao norte, era ele e só o silêncio, moldando as suas promessas.

Sua voz saiu muda, canção ao contraponto, rasgando a atmosfera com todas as suas ilusões. E num andar quebrado, começou a correr, aos saltos e solavancos, levando a realidade consigo, distanciando das costas da cidade, saltitando da consciência e seus arranha-céus. Pulando de ponta a ponta, o fôlego inspirando em si os quatro cantos do mundo, deixando para trás as promessas, agarrando as mãos do destino, na ciranda de emoções, na prolixidade de suas razões, um mar de sentidos e pontos, rascunho e mapa da vida, a linha da sorte a trilhar!

Foi então que a vida surgiu como dança e o levou a bailar na história, e a linha do tempo que o diga, que foi o homem que criou seu passado, que foi a verdade à brindar o presente e dizer com orgulho suas honras, aos floreios dos bailes da alma, ao palco que a vida o levou, na musica em melodia de espera, na nostalgia e calor das lembranças (cultivadas em seu coração). E não só o destino o lembrou, mas a jornada que o sol o levou a buscar, que o trouxe aos fatos e na fantasia das pequenas coisas. E mais uma vez ele soube, que era nele, onde o dia deveria de estar.

Mas o sol se fez de miragem, quando o som e melodia pararam. Embriagados com os ares da noite, fadado ao tom da primavera, as flores que nele desabrocharam, se mostraram dessa vez sem cheiro, inodoras ao aroma da realidade, enganando-o com balelas e infortúnios. Acabando largado ao chão das frustrações... E foi então, ao tardar de suas esperanças, já noticiado com os clamores do vento se fez sol... Que não havia se esquecido de nascer, mas se escondera por ter se achado esquecido, mas foi na voz sussurrante, num pedido discreto e silencioso que se foi ouvida suas preces. E encheu as razões de luz. A criança pôs a cantar novamente, aos tropeços de tais poesias. E enquanto se distanciava do horizonte, dessa vez foi o Sol que o chamou e assim... Seu nome foi jogado ao vento, sussurrado de um jeito meio cuidadoso...

segunda-feira, 11 de maio de 2009

Tempos Modernos



Somos isso ai, uma desgraça,
Pequena história, de um longo tempo atrás...
Começando com tendências, tendenciados.
Numa grande reciclagem, de erros sem fim.

Oh, não é meu sangue ali no sol?
Que me pintou, sobre os milênios, até aqui?
O que me trouxe, nas avenidas, despedaçadas,
Ás quatro horas, da encruzilhada
De pensamentos neandertais?

Oh, sangue... Me d-d-d-deixe ir...
Pra viver lá sobre as horas, sem o porquê
Dos segundos... Rolando pelos dias,
Galgando no instantâneo, na maré
Feita de casos, de bardo em carochinha.

Pra passear nos moralismos, oh que tarde de sol!
Vagando em meio de padrõ-ões,
Velando mil promessas...
Medido por gramática,
Aonde eu vou?

Be-be-beirar na ignorância,
Regrado por grandões,
Em termo mais enfático,
Viver em senso dos iguais.
Perda de Tempo.

terça-feira, 10 de março de 2009

Chá das Seis



Uma dúvida foi o suficiente para fazer o senhor Samuel—veterano de guerra, amável corretor e vigarista em horas vagas—sair do túmulo. Proveu de sua cartola e ajeitou suas vestes amarrotadas por muitos séculos. Com um nó em sua gravata borboleta ele subiu a ruela de paralelepípedos até que se encontrou em uma ponte acima do Rio Légio. Pensativo, pressionava o indicador sobre os lábios enquanto circulava pelo passeio, tinha um ar arauto, com uma barba grisalha que lhe caia muito bem perante sua personalidade, angular, simples e discreta.

Pôs-se a andar para um antigo casebre da família Capucci,—que era evidente ser de origem italiana—seu antigo refúgio depois da guerra. Com duas batidas ele anunciou sua chegada, colocou as mãos num gancho atrás das costas e esperou, balançando o corpo pálido para frente e para trás. Do fecho da porta dois olhos azuis apareceram junto com um ar inquisidor. O velho Samuel franziu o cenho e ela perguntou—O que deseja, senhor?—Sem rodeios ele já ia falar o nome quando um branco lhe acometeu, ele tentava se lembrar do nome enquanto arranhava o chão com seus sapatos carmesim.

—Digo, ou devo dizer, que procuro o Duque de Belatona, ou supostos anfitriões. —Disse com um vigor em seu peito, com um poderio de influência numa pompa de arrogância, que foi esvaziada com um leve cortejo da ama—Pelo que me compendia, sei que tais donos já se foram dos vivos a algumas décadas.—Disse ela com olhar severo reparando o desconcerto do velhaco, que retomou sua formalidade.—E poderia, pois, me apresentar aos seus descendentes ou supostos donos.—Ela negou com um aceno, mas aconselhou—Se quer algum dos remanescentes, procure na pequena adega do Bar de Conde Omar.

Com uma leve reverência ele se retirou até a avenida e se direcionou a um policial montado. Que com um desprezo o agente lhe indicou um pobre casebre surrado ao fim da rua. Com um ar apreensivo Samuel foi com sua bengala até lá e tocou na porta com o nó dos dedos. Ao invés de reverberar seus toques, com a mais simples das batidas, a portinhola se abriu revelando um cheiro rançoso de alimento estragado. Resmungando baixo ele entrou no ambiente bolorento, até entrar na tal adega.

Quando acendeu o lampião, os retalhos no fundo do compartimento se mexeram mostrando uma alma viva que se pôs de pé num salto e veio lançando maldições. Era um mais ou tão velho em vida quanto o parco Samuel, mas neste, a pobreza lhe fraturou os dentes e raleou seu couro cabeludo. Um dedo ossudo apontou ao peito de Samuel mandando-o para fora. Ultrajado ele protestou, mas parou no ato fitando a face do patife—Visconde?—Perguntou Samuel indignado.

O outro parou no meio de sua cólera o olhando atencioso. —Não me chamam de Visconde há um século... —Respondeu ele se aproximando. Otávio, como era seu nome tinha seus sete anos quando o velho Samuel visitava seus pais na mansão dos Capucci, porém, depois da queda dos sovietes, força que a família tinha influência e poderio, faliu e toda a riqueza que tinham foram para pagar seus credores. Isso havia acontecido a mais de setenta anos e agora, só o pequeno Otávio sobrava daquela mixórdia. —Não pode ser, um fantasma depois de tantas bebidas da noite anterior. —Mas sem se assustar, Otávio puxou um banquinho e colocou um bule num fogão de lenha na sala ao lado. Voltou correndo—Melhor as alucinações do que pesadelos desinteressantes.—Disse ele com um ar desolado e se sentou olhando a assombração a sua frente.—O que me trás essa honra?

—Venho por... —Mas antes que continuasse uma velha caduca faltando metade dos dentes e da sanidade também veio brandindo o guarda-chuva fechado, ela se mostrou ser a mulher de Otávio, histérica como si só, veio em uma cólera sem precedentes. Otávio lhe repreendeu com um olhar e voltou a atenção a Samuel. —Não ligue para ela, essas coisas de mulherzinha hoje em dia é o mal do século....

Com um sorriso moderado Samuel balançou o cenho negando a acusação de Otávio—Não posso te dar apoio nisto, pelo que sei, a histeria é tão dono dos homens quanto das mulheres e a qualquer um que seja submetido a uma carga grande de estresse e problemas, pode ruir com seu controle e dar faceta a esses demônios do instinto. —Como um grande ignorante que era Otávio fez de sua face uma grande interrogação. —Pra ser mais claro devo dizer que o instinto é o que molda nossa essência, Otávio, pois até mesmo os sentimentos são maquiados ao prazer dos instintos.

—Humm...—Exclamou ele entendendo, mas logo saiu correndo pegar o bule já fervendo, dispensando uma xícara ele sorveu um pacote de mate e entregou para Samuel que aceitou sorrindo.—Então quer dizer que no fim das contas não somos nada mais do que animais adestrados?—Samuel gargalhou alto enquanto continuava—Não tão radical assim, mas tenho que dar razão, pois da nossa essência, esses histéricos, os frenéticos, são os que deixam sua essência transbordar, ou seja, os mais justos para consigo.

Otávio fez um floreio com o dedo para que ele continuasse. —A essência de uma pessoa é aquilo que a deixa vulnerável ao mundo, quando não se tem controle sobre si, é quando deixa a própria natureza falar, a pessoa que é mais paciente, mais moderada e compreensiva, esta têm mais conhecimento de si e consequentemente controle desse núcleo magmático que é a nossa essência, criando assim crostas que fazem uma fortaleza pra proteger, devo dizer... Hum... Seu tesouro. —Disse ele satisfeito com a comparação e endossando sua garganta com um gole de chá mate.

—Então aquele que é mais eloqüente, é aquele que mais tem conhecimento de si?—Samuel completou—Mais do que isso, quando a pessoa tem preferências e gosto sobre alguma coisa, é porque ela se identifica com isso, aquilo faz parte da personalidade da pessoa. Então, o mais eloqüente é, além disso, um ser mais livre em seu próprio mundo. Pois até a visão e a consciência, é uma projeção de mundo. —Otávio se sentia um ignorante e com razão, até mesmo Samuel se sentia pequeno em relação ao assunto. —Devo dizer que disso tudo, os sentimentos são totalmente direcionados pela vontade, moldados pela determinação e os costumes dessa pessoa.

—Como assim?—Samuel suspirou. —É simples, o desejo instintivo de uma pessoa leva a esta criar ilusões e projeções, para este, favorável para seu bem estar, assim como a preservação da moral e ética. Pois todo e qualquer ser vivo depende de muletas sociais e, portanto, é difícil se prostrar diante desse incólume dilema. Uma explicação prática disso é a necessidade econômica de qualquer pessoa, ou da carência social. As aspirações sempre permeiam toda e qualquer cadeia hierárquica, por menor que seja.

—Então a pessoa que é mais instintiva seria a mais sensível, ou seria uma pessoa mais burra?—Otávio colocou mais chá para os dois—Não se pode ser tão específico assim, a pessoa mais sensível é aquela que se expõe mais, é aquela que se entrega mais fácil, é uma pessoa mais carente por isso e logo, depende de atenção. O sensível é mais passional, coloca mais valor e é mais compreensivo, consegue enxergar o lado de alguém. Porém, não tem nada a ver com uma pessoa instintiva, que presumo ser aquela que usa de menos da razão e por isso, é consequentemente menos inteligente.

—Quanto maior a ‘crosta’ dessa pessoa, então, maior o tesouro desta?—Perguntou Otávio, fazendo com que Samuel sorrisse. —Exatamente. O mistério de uma pessoa e o conhecimento é grande demais pra ser rotulado ou tenha alguma opinião, qualquer conhecimento é uma tentativa errada de moldar a parte pelo todo, o possível é prescrever a personalidade dessa pessoa de acordo com o script dela. —Otávio veio a intervir. —Script?—Samuel consentiu explicando—Cada pessoa cria certa gama de atitudes que são sempre semelhantes, ela sempre cumpre um protocolo diário, fazendo sempre um roteiro para si. Sempre as mesmas preferências, sem quaisquer adaptações, isso se chama script. Cada pessoa é capaz de mudar, mas cada um sempre se acomoda a um estilo mais conveniente.

—É algo a se pensar. —Disse Otávio e Samuel respondeu—Sim, é algo a se pensar. O pior, Otávio, é que a maioria das pessoas só toca na alma uma da outra, só se tem as intercessões, ou seja, tocam tão somente os sentimentos, os mesmos gostos e supostamente os planos congruentes. Por isso digo que mesmo um casal de cinqüenta anos, pode nunca ter se conhecido. Pois, para se ter conhecimento de alguém, é necessário desbravar essa pessoa e isso é algo que poucos têm capacidade ou vontade de fazer.

—Então o mais conveniente é se conhecer para depois transbordar a essência, não acha?—Samuel acenou negativamente. —Nem sempre, nem sempre. Justamente porque são poucos os eleitos para suportar a verdade que um ser porta, pode ser até mesmo inaceitável para a filosofia desta. Uma pessoa pode muito bem deixar sua essência vazar em suas atitudes, empenhar e se doar totalmente em um sonho, em uma determinação. Basta que nós mesmos saibamos como lidar com o caos que existe dentro de nós.

Já era tarde quando terminaram de conversar, Otávio acordou de seu pileque no bar quando o relógio soou as badaladas da meia-noite. Mas a duvida ressoava em sua mente. —Será que em toda a humanidade os erros, seriam problemas de perspectiva e interpretação, ou tão somente um mal entendido no desconhecer das intenções?—Sem se importar com o poder da pergunta, Otávio desligou de seu intelecto e se proveu de suas necessidades, dando atenção e empenho em servir as garrafas de cerveja aos boêmios da pequena Hamburgo. Já era tarde mesmo...

quinta-feira, 5 de março de 2009

Além Mundo

Um relâmpago cintila dentro de seu tempo e eu acredito que alguém possa guardar as memórias do mundo.

Era uma vez, e tudo começou com um bater de asas. Ele veio assim, abraçando o mundo em uma queda livre, como se fosse uma estrela cadente rasgando o tempo. Seu corpo colidiu com o chão num baque surdo fazendo os ossos de seu corpo estremecerem. O lençol de água eclodiu salpicando os arredores.

O jovem e pequeno Thomas se levantou olhando o poço em que estava. Sua respiração ecoava pesadamente enquanto observava o infinito a sua frente. Um mundo subterrâneo ao meio de cristais e rochas que se fundiam num universo rochoso.

Um desgraçado — eu devo dizer. Um pequeno e desafortunado patife. Que olhava com aqueles malditos olhos prateados que continham um brilho quase sobrenatural. Andando de um jeito curioso, com passos desengonçados que cobriam o caminho. Ele fitava de queixo caído as figuras rupestres que tomavam espaço no teto, estavam gravadas com sulcos na rocha tosca. A luz vinha de tochas firmadas na parede, fazendo — com o crepitar do fogo — as sombras dançarem de forma bruxuleante ao som dos pingos enormes das estalactites.

Atravessando uma fissura ele continuou a exploração. Em que diabo de lugar eu estou...? Pensou ele. Seu pensamento soou alto pelo lugar, como se estivesse falado em voz alta, mas ele nem sequer havia aberto a boca! Assustado, as únicas coisas que tomaram o palco da sua mente foram seus sentimentos. Estava confuso e quanto mais ele avançava, mais o terreno se tornava difícil. Uma neblina se formou em seu caminho, deixando turvo não só o ambiente, mas a vontade do pequenino.

Um fio de suor deslizou por sua testa. Deve ser uma caverna, devido o tamanho dessa extensão... Mais uma vez sua voz reverberou ecoando pela caverna abaixo. Resolveu parar de pensar. Deixando sua atenção se preocupar com o mormaço que se estendia abafando o lugar, ele tentou não se importar, sem sucesso, pois aquilo era uma grande mentira até pra si mesmo. Estava se esgotando, ia arrastando os pés quando seu pé afundou e a água o atolou até a cintura.

Notou, então, que um açude se formava a sua frente. Como mágica, a neblina se dissipou dando lugar a um grande rio negro que se perdia no horizonte. Ótimo pensou alto sem se importar com o eco Ando léguas para dar nisso... , ele já ia voltar emburrado quando viu no horizonte um barco vir sonsamente pela superfície sem maré do lugar. O pequeno barco vinha diminuindo a distância vencendo o rio negro. Apertando os olhos, ele pode ver um ser oculto num manto remar lentamente com seu leme.

O barqueiro o olhou de cima a baixo. Desde os palitos que eram as pernas de Thomas até o cabelo branco e desgrenhado da criança. —Uma cor bastante normal para crianças mestiças. — Desprezou com um nojo aparente. As roupas surradas do pequenino, que realmente já dotavam de anos de remendos, tornando-o aparentemente sujo... E antes de qualquer protesto de Thomas pelo ultraje, o barqueiro estendeu a palma da mão, mas abaixou-a assim que viu a cara indagadora do garoto.

Ele tirou o capuz, um rosto cadavérico com olhos fundos se destacou sobre as inúmeras cicatrizes de seu rosto castigado. Cabelos ralos lhe desciam até o ombro de forma encaracolada. – Dinheiro, criança. — Disse ele. — Já não é fácil navegar no inferno e ainda por cima não paga as duas moedas de praxe do Caronte? — Finalizou ele em tom severo.

Constrangido, Thomas levou a mão ao bolso e estendeu a mão para o barqueiro do inferno. O velho franziu o cenho. — Só uma...? — O garoto deu de ombros. O velho suspirou fundo e disse — Certo. — E o puxou ainda relutante para a embarcação. Empurrou com um chute a pedra do ancoradouro para dar impulso ao barco (que deslizou suave na maresia).

Depois de um tempo navegando, a única distração de Thomas foi ficar olhando a superfície líquida do rio, que, a não ser pelas ondulações que o barco produzia, parecia mais um diamante negro derretido de tão sólido e volúvel que era. Como uma camada de lençol escuro cobrindo as trevas daquele lugar.

Ele ficou reparando as profundezas, parecia que via sombras. Pois, ou seus olhos o enganavam, ou ele via vultos de mãos tentando alcançar a superfície. Isso fez com que um calafrio descesse a espinha do pequeno enquanto o velho Caronte ia com um sorriso debochado estampado no rosto.

Agora, o teto da caverna rochosa abriu para um céu impetuoso. Nuvens púrpuras — Tão vivas quanto sangue. —tomavam todo o céu que chovia pesadamente, mas não caia uma gota sequer e sim, raios que retumbavam tentando agarrar o chão.

Os trovões pareciam lamentos, gritos de agonia que só a morte poderia clamar. Thomas se encolheu num canto abraçando seus joelhos. Sua voz falhou antes de perguntar. — Onde estamos? — A resposta não veio e por isso ele insistiu —...No inferno? — Uma explosão de gargalhada encheu o ar, o velho riu tanto que teve de limpar as lágrimas dos olhos, enfim ele respondeu —...Não rio assim há muitos séculos, mas respondendo sua pergunta, não é o inferno, é muito pior que isso. — Respondeu ele remando ao lado oposto para fazer o barco inclinar na curva sinuosa.

Antes que pudesse reclamar mais, uma cidade foi vista a pelo menos um quarto de hora. Thomas podia ver que lá as nuvens eram negras, elas se moviam circularmente em torno de uma grande torre que se perdia entre as nuvens. — O que ela é? —Perguntou o pequenino.

Ele pigarreou antes de falar, e respondeu num tom que parecia ser um trocadilho pela ironia na voz — Aquela é a torre de Babel. — Disse ele rindo da própria inteligência fazendo Thomas resmungar. Dando de ombros ele continuou a observar atentamente; inclinando o pescoço a fim de ver mais. Notou alguns prédios tortos, pelo visto, todos completamente destruídos.

Nossa... Pensava ele enquanto via o terror, aquilo era o fim do mundo, o caos sem multidões mostrava completamente o fim dos tempos. Um vento — pesado e avassalador — cruzou sobre eles, Caronte impulsionou até uma encosta perto de árvores feitas de pedra e mostrou um caminho ladeado de cercas vivas. — É só até aqui que me arrisco a navegar. — Com uma pausa e um olhar apreensivo o velho se curvou numa reverência — Bem vindo, meu amo, ao seu coração.

* * *

Em mim, reside aquele que julga o sono das almas.


De dentro da noite, brilhava nas sombras um sorriso penoso. Guardando em seus olhos o caminho das almas. Ele vinha vestido de pesadelos — retalhos de sobras dos sonhos mortais. —Andando curvo em meio às tormentas.

Cruzava seus aposentos enquanto desenrolava um novelo de lã, desatando os nós que mantinham os laços humanos presos a realidade. Ele driblava em sua fatalidade inteiriça com um dedal que retinia a luz delgada de uma pálida lua.

Pontos — assim como era chamado pelos ventos, por dar os pontos finais a vida das pessoas... — fitava com olhos vazios as montanhas do Vale Minor (que era onde ele morava). Ele tinha baixa estatura e tudo em seu aspecto convergia na mais pura depressão.

E pelo que sei, ele é um maldito Moiro. Sim é isso que é... Se não me engano. Um ser que anda acima da corda do tempo com o ofício de cortar os fios de vida de uma pessoa.

Olhando sempre o caldeirão borbulhante de sentimentos que se fundiam nas cores do mundo ele podia trançar o destino daqueles que estavam prontos para a morte.

Ia mexendo com uma colher de carvalho o liquido denso, jogando mais lenha no fogo. Parecia tranqüilo, de um jeito nebuloso a esconder suas intenções em milhões de pensamentos. Vinha cantando, sibilando uma canção antiga enquanto cozinhava a morte para os tolos mortais.

Morava mal, num casebre açoitado pela estiagem. Uma pobre morada feita de madeira tosca, com grandes janelas bordadas com cortinas puídas que dançavam ao furor do vento.

Pontos varria o chão de mogno, olhava de esguelha o caldeirão. Assistindo o último fôlego de vida de um humano se estender para um beco sem saída. Isso fez com que ele corresse para seu tear e puxasse um fio prata que vibrava como metal, puxou a tesoura tortuosa na mesa e admirou o fio na palma de sua mão. Passando prazerosamente o dedo na lâmina por ele.

O parco tecelão, que via a milênios os fios se entrelaçarem, ainda se fascinava em como todos os fios estavam inevitavelmente interligados, e como um simples ato, por minucioso que fosse, movesse o mundo. Como se as vidas ‘vestissem’ a história como um todo, como se a gama de sentimentos se instaurasse na humanidade, em um só corpo.

A imortalidade lhe trazia uma perspectiva distante, deixando sua personalidade mutável, como se estivesse apático, entediado. Por sempre saber em que toda grande história, por maior que fosse, levasse a mais profunda noite...

A tesoura parecia ter fome, com suas garras abertas ela reluzia ameaçadoramente seu júbilo. Movendo com um som agudo partindo do metal nas suas entranhas. O barulho da fricção do metal guinchou de forma agonizante, como se o barulho fosse de um estômago que passou dias a fio sem comer.

Ela deslizou sorrateiramente caçando sua presa. O fio, por sua vez, parecia ter vida quando se retraiu fugindo do fluxo mortal. Com um bote, o ataque foi iminente, decepando o fio que agora perdia seu brilho prateado, se tornando um velho trapo feito de lã. Com isso a tesoura, agora saciada, se deixou descansar no espaldar da cadeira.

Pontos fungou, arrastando os pés em direção ao caldeirão. Seu trabalho estava feito. A alma agora estava marcada para morrer. O destino marcava com sangue naquele exato momento o caderno do Ceifador com um nome nada peculiar, Thomas Grings.

* * *

O vento vestiu a tarde, plantou bananeira e mostrou seus soquetes azuis trançados de nuvens pro mundo inteiro ver...

O mundo dormia. E ele vinha atravessando as ondas, cortando o fôlego do tempo. Deslizava flutuando rapidamente pelo oceano. Vestindo a noite com manto comprido, daquele jeitinho despretensioso e irritante de esconder a sua glória. Era a morte — como todos o chamavam — que como diz a lenda, carrega uma foice em uma das mãos e na outra, o destino do mundo.

Naquelas horas da noite, uma chuva fina e amena caía derramada de nuvens marrons que pareciam ter um gosto agridoce. O velho cruzou a costa do farol num salto, entrando em terra firme por uma ponte castigada que rangia rudemente.

Passando pelo porto silenciosamente, ele recostou-se na muralha que protegia a cidade e antes de começar seu trabalho noturno ele curtiu a brisa que lhe afagava as maçãs do rosto. O vento despiu seu capuz, fazendo seu cabelo longo e prateado ondular no ar.

A lua o observava timidamente atrás do céu chuvoso. Tinha um rosto castigado... Com uma boca fina e rachada, e sulcos aos cantos dos lábios que lhe davam um parecer de ter uns oitenta anos. E logo acima dos lábios crispados, vinha com um nariz curvo e adunco.

A única coisa que traía sua idade era não haver marcas de rugas em sua testa, como se a preocupação nunca houvesse esculpido nele as conseqüências do tempo, parecendo que só foram talhadas as experiências em um cérebro sagaz.


Agachando-se, ele passou os dedos no solo de pedra batida e os trouxe ao olfato. Erguendo seu nariz ele inspirou os medos da noite que estavam incrustados na terra. Jogou os cabelos para trás de seu rosto dando destaque a faixa que cobria sua visão.

A morte em toda a sua justiça, era cega. E por ironia ou não, carregava um livro que naquele exato momento foi jogado ao chão de forma proposital, como se pra ele, fosse um ritual diário. O feito fez com que um cheiro se desprendesse das páginas e enchesse o ar com um aroma férreo de sangue.

Voltando ao trabalho, ele guardou o livro em suas vestes, transpassou o muro como se ele não existisse—pois afinal, ele era um espectro. —e empinando o nariz pontudo, o velho Ceifador seguiu o cheiro com seu instinto. Subindo lento e tranqüilo a trilha que se ligava ao vilarejo que, naquele horário, tinha seus pescadores que começavam a se preparavam para pescar.

Saíam antes de o sol nascer e por esse motivo, o começo do vilarejo tinha um cheiro rascante de querosene, o que significava que os primeiros lampiões se acendiam no meio da noite, como estrelas cultivando o céu.

O velho tentava apreender cada detalhe, subia a alameda sob um caminho de paralelepípedos. As janelas começavam a ser entreabertas e deixavam vazar uma luz amarela das luminárias do recinto. Os burburinhos foram vindo aos poucos, mas de todos eles, o único que chamou a atenção foi um arpejo de uma flauta doce que soava distante dali.

Indo em direção ao som, o Ceifador se pegou tamborilando o cabo da foice. Voltando a atenção ao caminho, cruzou mais casebres surrados até o fim da viela. O caminho se desfez em uma taverna (que era de onde vinha aquele mágico som ancestral).

Ele parou antes de entrar, sentindo um cheiro convidativo. Suas mãos deslizaram para o tampo de um tonel de vinho. (Coitado do lazarento, era mesmo uma pena vê-lo entristecer por não ser um mortal.)

Passando pela pesada porta de carvalho, a sua presença trouxe um fluxo anormal, que, devo dizer, era o rastro da morte. Aquilo fez com que os guizos vibrassem em sua chegada.

Com suas superstições pagãs, os boêmios se encolheram fazendo mantras, até que um se arriscou a dizer — É só o vento e nada mais... –Disse ele fazendo suas preces segurando o martelo de seu deus no peito.

Divertindo-se, o Ceifador escolheu uma mesa aos fundos e repousou sua foice no colo. Ele ouvia pacientemente o burburinho dos bêbados, o leve tom dos copos de hidromel batendo na mesa e logo, o barulho de gritos na noite.

Sorriu satisfeito. Os clientes da taverna saíram com olhos esbugalhados, viam aterrorizados um mar de tochas que ascendiam para o leste da cidade.

O barulho das garruchas batiam ritmadas ao som das trombetas. Batiam aquelas armas rústicas nos escudos, o que significava alarde geral. De fato aquela era uma busca imperial. E Justamente aquilo era tudo o que o velho esperava, uma confusão...

Ele resmungou. Levantou-se e esgueirou porta afora ao ar puro da noite. As janelas foram abertas a uma fresta segura. E pelas vazões das cortinas de retalhos, podiam ser vistos os olhos apreensivos de mulheres e crianças que buscavam sentido na confusão, dotadas de certo horror nos olhos.

Ao fim de evitar as massas, o espectro driblou por um beco. Viu ervas daninha se abraçarem com um muro de forma singela. O lamaçal surgiu discretamente de forma espessa e grudava na sola das sandálias do velho Ceifador, que com seus passos, fazia ressoar o baque do seu andar sob a luz das estrelas.

A noite nublada era formada de estrelas vivas, que ao mando da escuridão, os vaga-lumes circulavam caminho adentro substituindo os astros celestes, dando àquela situação de caos uma certa trégua.

O velho manteve uma distância segura, num silêncio solene a espera de exercer sua função. Vendo ao fim da rua, um corpo miúdo se embrenhar por um muro de piche. Manteve a apreensão no desdobrar dos acontecimentos seguintes.

A glória daquela fuga durou como a fama, que de forma iminente as trombetas soaram novamente e encheram o ar, uma flecha rasgou o céu e atravessou o ombro franzino de Thomas mutilando sua carne, ele caiu de meros três metros e, ao deslizar devido à inércia, bateu na parede lateral com o lado do corpo fazendo deslocar o osso do braço atingido.

Ele saiu deslizando no solo úmido bordado de lodo. Com a cara levemente apoiada numa poça da rua. Seu corpo gemia pesadamente com fisgadas de dor animalescas invadindo seus nervos.

Levantou-se em meio a suas gargalhadas cansadas e saiu cambaleante rua acima. Ofegava pesadamente quando passou pelo Ceifador, que o seguia sem pestanejar com seus passos largos.

O cheiro de sangue encheu o ar, descia um filete de sangue pelo punho cerrado do garoto, e na outra mão, os dedos serrilhavam encima de um livro velho e gasto.

Thomas jogou o corpo em um banco de pedra. Pôs a mão sobre a seta da flecha e gemeu penosamente quando a flecha soltou estilhaços dentro de seu ombro. Com uma força desumana ele apertou-a em seus dedos e fez força. A madeira quebrou com um estalo e ele estremeceu com a dor caindo de joelhos enquanto sua visão se fechava a sua frente.

Demorou a se recompor e ainda cambaleante, pôs-se de pé. Tremia pelo feito desumano. Terminou o trabalho puxando a parte de trás da flecha pela pena, retirando do sulco dentro de sua carne. Um gêiser de sangue brotou e ele bambeou quando viu suas forças se esvaindo. A fraqueza quase o abateu.
Mordeu a manga da blusa e puxou com os dentes rasgando a seda até o cotovelo. Passou por cima do ombro e improvisou como bandagem. Saiu aos tropeços seguindo seus instintos. O Ceifador sorria de um jeito misterioso.

Thomas ziguezagueava pela viela, sendo guiado somente pelo som dos sinos, enquanto a febre se apossava bravamente de seu ser. Sentia uma fisgada de fadiga nos rins, e como seu corpo falhava, tentava se agarrar ao ar rarefeito e fugir do breu que ameaçava o nocautear e o deixar desmaiado.

Depois de meia-hora que parecia ter se estendido como semanas, ele acumulou todas suas forças e se jogou contra a porta de carvalho da catedral daquela cidade, que abriu rangendo.

Seus olhos prata foram recheados da luz de velas dos candelabros com uma luz etérea que produzia um tom fantasmagórico. Avançava se escorando na fila de bancos, olhando as figuras oníricas bruxuleantes das estátuas e vitrais, pareciam fantasmas sendo torturados nas retratancias do inferno.

Uma chuva de cores vindas das figuras dos vitrais tingia o que restava da noite. O pequeno se jogou atrás do confessionário, se escondendo e descansando o máximo que podia. Seu corpo vacilava com uma adrenalina que o estremecia dos pés a cabeça, acompanhada com uma rajada de pensamentos que trovejavam de seus olhos. Eu nunca sairei vivo dessa... Um tremor subia por suas pernas, fazendo seu corpo amolecer.

Um grito ensaiado veio de trás do umbral da catedral. Os guardas formavam um cerco e ameaçavam adentrar. Quando viu que iriam entrar, ele se inclinou apoiando o corpo com uma das mãos, que tremeu furiosamente com o peso do corpo mutilado.

Ele duvidou de que teria força suficiente para continuar o percurso. Mas não havia mais tempo. A porta se abriu com um estrondo, e ao vibrar das garruchas, o pequeno Thomas saiu em disparada escadaria acima.

Parecia que os quadros haviam criado vida naquele momento de clímax, as figuras traziam um horror nas impressões como se estivessem a par dos acontecimentos e sofressem tanto quanto ele, mas eram os sentimentos de Thomas que montavam uma aquarela, como sua esperança, agora espatifada no chão...

Subiu se escorando no corrimão, deixando seus rastros de sangue na memória daquela igreja, que fosse ironia ou não, aquele era um local um tanto cômico pra se morrer, digno de sua mediocridade, sujaria a imagem do lugar.

Ele pulava os degraus da escadaria circular de dois em dois, olhando pela janela e vendo como a aurora ameaçava se levantar acima da boreal. Ele Chegou ao terraço e abriu a porta com um solavanco.

O garoto se escorou na parede com seus olhos girando as órbitas pela dor que se auto-aplicava com aquele esforço. Rezava como nunca, rezava mesmo sem acreditar, mas de todo, se negava a desistir.

Uma calma estranha se apoderou dele quando não encontrou outras saídas. E, junto com um vento que dançava ao seu lado com um trote espalhafatoso, ele caminhou sem medo.

O Ceifador já estava de pé olhando a cidade alerta lá de cima, achando graça das supostas exclamações quando viu o pequenino subir no parapeito — sinos.

Parecia que o céu celeste o coroava com o sol. Ele inspirou pesadamente, deixando a vida entrar. Os guardas romperam o portal do terraço e invadiram em sua forma rude. Demonstrando um ar superior estampado na face.

Apontavam suas garruchas para o pequeno que estava de costas. Mandando ordens com a intenção de fazê-lo cumprir, eles apontavam as armas mirando no corpo franzino do menino.

Thomas parecia uma ave de rapina, com um orgulho que vestia sua pompa, um corpo esguio e aprumado, e braços firmes que abraçavam ao resto de vida como podia.

Mas toda a impressão que dava era diferente do seu semblante. A confiança dos guardas desapareceu com o choque, porque além da situação, de todo o inferno que produziram, ele sorria. Seu ar agradecido os atacou em cheio, pegando-os desprevenidos. Uma calma surreal fora aliviada naquela tensão.

Até que ele se inclinou para frente. E como se o mundo desbotasse ao seu redor, tudo escureceu, o mundo parou, o tempo dormiu e tudo escureceu num só instante.

Foi então que se instaurou o breu e eles dois, Ceifador e Thomas, residiram no vazio em meio ao rasgo do tempo. Um arrepio percorreu a espinha de Thomas quando uma mão pesada e fria repousou em seu ombro. Olhou paralisado, ao seu lado. Um Ceifador que estava impassível.

O garoto se encolheu. Afinal de contas, quem é que não sentiria medo da própria morte no instante que ela desse as caras?

O velho se sentou no parapeito. Seu manto parecia cobrir o mundo agora. Em outra situação, poderia até se confundir a cena a uma simples conversa casual se não fosse o ar severo com que o velho fazia suas menções.

O Ceifador subiu as mangas, levantou o queixo e desfez o cenho apreensivo.

— As vezes sinto que a vida é pequena, cabendo na palma da minha mão... Como se a cada morte eu pudesse recolher um mundo e o pintar num quadro, deixando que sua natureza embote sua posição em seu devido lugar na moldura da história. Marcando as pessoas e deixando lacunas insubstituíveis... —Thomas escutava apreensivamente sentado num canto, abraçando suas pernas. Olhava de esguelha enquanto ele falava.

—... As vezes penso que vivo vagando nas costas do vento. Escrevendo a execução na alma das pessoas, condenando todo e qualquer sentimento... Seria então, eu, tão desumano assim por dar cabo da dor que permeia no coração dos homens? — Perguntou se direcionando ao céu.

— Seria tão injusta a existência a fim de não se dar o sentido naquilo que foi dado a todos os nossos esforços? De se perder na essência e se dissipar nas memórias... —Disse dando uma pausa retórica. — Não é por isso, caro Thomas... Existe muito mais escrito dentro das próprias palavras na qual o mundo pode repousar em paz... — Disse ele em tom suave, mesmo que sua voz fosse tão retumbante quanto um trovão.

Sua mente vagou. Ele tentava recapitular os fatos. Sua mente vagou quando entrou em seu coração no instante que o barqueiro Caronte o havia deixado.

O Ceifador foi a sua direção, ele sentia todo sentimento que transbordava no coração dos homens, ou seja, sabia tudo o que Thomas sentina naquele exato momento.

Ele se agachou na direção do pequeno fazendo seu dedo indicador tocar na testa de Thomas, extraindo os fatos que explodiram em cores na dimensão ao redor deles, como fotos em movimento que preenchiam o escuro ao fundo deles.

Flashes da queda dele ao poço se estendiam dimensão afora, via os fatos rolarem até a ida dele a cidade que deveria ser seu coração. Ele andava desolado vendo os prédios — que deveriam ser seus sonhos. — que estavam completamente destruídos...

Soube, andando pelas ruínas de seu coração, pelos memorandos jogados no meio do caminho que aquela torre, a única torre que se mantinha erguida, era na verdade o seu orgulho...

Lágrimas desciam quando ele via que nas paredes das casas debulhadas as ordens de evacuação. Os sentimentos o abandonaram, sua razão se exilou em seu subterrâneo, até mesmo sua dor foi varrida a maior apatia... Ele estava abandonado.

Havia entrado na torre, a procura de resposta ou almas vivas que pudessem fazê-lo viver, um motivo suficiente pra se agarrar ao fôlego... Mas não havia absolutamente nada a que pudesse se agarrar. Só o medo da morte que tomava controle de seu corpo enquanto ele andava pelas profundezas da torre negra.

O desespero tomou conta quando se viu ladeado de uma escuridão tão imensa quanto a morte. Viu uma luz pálida que vinha de um canhão de luz que chamou sua atenção. Caminhou até lá para ver o que havia de tão especial naquilo.

Seu peito palpitou quando viu um livro aberto de forma solitária no meio do nada. Respostas! Pensou ele quando avançava aos pulos, mas quando bateu os olhos só viu as páginas em branco.

Tentou procurar... Procurou tudo, mas só havia o vazio. —Não! — Gritou em meio aos soluços... —Não posso! Eu não quero acabar assim... — Disse se encolhendo no canto do saguão deixando sua alma rasgar...

Sentia raiva de si, sentia raiva da vida por ter feito de tudo aquele inferno. A ira tomou conta por causa de tudo aquilo, e deixando o ódio se apoderar de si, tirou o livro do estande. Quando fez isso, um alarme soou.

Alarmado, ele segurou o livro e se afastou do local e antes mesmo que pudesse fazer algo, homens segurando armas investiram brandindo suas espadas em sua direção.

Aos gritos, eles correram atrás dele ao resgate de seu item, o único item de valor que havia encontrado. Ele se agarrou a aquilo como um pedaço de vida. Pondo seus olhos no esquadrão, percebeu que aqueles eram os frutos de sua razão. Soldados da sua lógica.

No que eu me tornei?! Pensou ele enquanto fugia de si. Fugia da própria morte em sua fortaleza, fugia para dar esperança ao único feixe de luz que ele tinha. Afinal que livro seria esse para ter tantas defesas assim só para proteger um livro sem respostas?

Ele deslizou, saltando entre as escadas enquanto descia verticalmente, mas quando chegou ao térreo uma tropa fazia uma barreira impedindo sua passagem. A determinação explodia dentro dele, ele saltou para a direita distante das garras dos guardas.

É o meu coração! Pensou ele enquanto corria contra sua sorte. Se ele se conhecia o suficiente pra saber quem ele era. Usou toda sua racionalidade. Pois sabia, sabia que ele sempre se apoiava numa fuga.

É isso! Pensou ele enquanto patinava no chão liso do Hall. Sempre finjo me refugiar no senso comum. Pensou ele quando atravessou o portal a sua frente, Aonde eu sempre fui fraco!

E corria atrás da mesa real do castelo, Na minha fortaleza! E pulou contra o espelho atrás dos tronos dos reis em sua mente. Nas minhas ilusões! E saltou contra o espelho atrás da mesa de banquete. O objeto se espatifou abrindo espaço para um caminho ladrilhado em direção a vila. Um túnel que o libertava de seu destino!

Aquela era uma parede falsa, como havia imaginado. Estava salvo... Pelo menos por hora... Ele deslizou até entrar pela torre da muralha da cidade e correu pelas alamedas enquanto procurava se esconder...

As memórias se apagaram, o Ceifador se levantou e disse: — Daqui em diante — disse ele pigarreando — Eu estava observando. — Vendo que seu plano de fuga havia dado errado, Thomas se deixou desabar num choro copioso.

O Ceifador o ergueu pelo colarinho e disse — Pelo menos morra com dignidade, seu verme. — Com isso ele tentou engolir o choro e assentiu, para o alivio do velho.

O Ceifador deu suas últimas palavras — Não tema, pequenino, antes mesmo que chegue ao chão, eu te pegarei.

Antes de qualquer protesto a dimensão voltou ao normal, estava ele pronto para pular. Dessa vez, toda e qualquer confiança o havia abandonado. Só alguns metros o distanciavam do ponto final, ele abriu os braços consentindo com seu destino e, enfim, com sua desgraça.

Então ele pulou, e tudo começou ali, naquele momento, com um bater de asas. O Ceifador, prestes a desferir o golpe final, traçou o ar com sua foice; não havia mais Thomas, não havia vestígios. Só certa dúvida, de que talvez, aquela foi a primeira vez... A vez que um ser humano havia enganado a morte.

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Crítica ao Pudico Social


A influencia social, assim como toda uma gama de conceitos forma o posicionamento do indivíduo, congruente com sua perspectiva. Muitas vezes é possível definhar e dissecar com bisturi a justificativa de uma moral, pois, de tão permeável e flexível, se tornou de certa forma, volúvel. É fácil perceber de tal forma que todo e qualquer indivíduo das massas depende de uma muleta psicológica, assim como vícios, amigos e família. Evoca uma grande colheita de sentimentos, mas nunca evidencia uma natureza pura dessa personalidade.

Depender de certos fatores mostra o quão frágil se é. Assim como a postura desmedida em determinadas situações que levam a crer uma atitude totalmente impulsiva, regrada por um instinto instantâneo que cultiva todos os chavões e clichês de natureza social. A pessoa se torna totalmente insegura, se acomoda a um estado de frenesi alienado, com justificativas e argumentações puramente efusivas que inflamam sem nenhum ponto de apoio. Como se a vontade permeasse e conduzisse a razão pelas bordas.

Isso também se estende ao estilo de vida de uma pessoa, pela sua moda e seu círculo de amizades. O pudico é aquele que confia suas esperanças num senso comum, num modo de evasiva quanto à chapuletadas morais—Para se dispor acima do moralismo—, como se não precisassem, se maquilando e predispondo o caráter, ao falar que são mais fortes que o populismo. Criam miragem no deserto social, depois rogam a fé pra cima de talentos falsos, opiniões que bandeiam no calor do momento.

Porque depois de todos os retrocessos, ainda tem a maneira de se fluir acima dos fios que o impulsionam, sendo total exemplo de um ventríloquo, pois naquilo que realmente gosta, se transforma em toda e total importância, não importando os feitos ou investimentos, o mundo acaba se resumindo a uma casca de noz na qual o seu dono se prega de rei! Existem também os mais fracos, os tais credores, que se se encostam às suas amizades ou estilo, que são tão importantes que nem sequer viveria sem, por acomodação.

Um grupo de preferências, uma panelinha de meios interesses, como se pessoas se montassem sobre rótulos ou nas rodas desbalanceadas da automobilista e automação popular. É até engraçado ver o quanto se rebaixam pra fazer valer em meias vontades. Quanto a tanto da própria natureza a ser explorada. Mas se ofuscam sob os ícones ocos que idolatram, em meio à rede de verdades absolutas que impõem o certo ou o errado, como se o senso fosse à religião a ser seguida. Despem-se dos valores morais, do mínimo de orgulho e honra que um ser precisa pra ser respeitado.

Essa congregação de ‘ave-marias’ no círculo social cativam pela facilidade de seu plano, quando existem vários caminhos para o mesmo objetivo, enxergam aquilo que lhes é conveniente e que o resto se torna opaco. É a ingenuidade que se prostra cadente e é ofuscada pela geração visual, onde as fachadas pregam mais do que os conceitos. É o mundo liberal da qual sonhamos. É um meio de se refugiar do virtual, da realidade e das decisões. Anestesiar todo e qualquer vínculo social e psíquico, cadenciando os deveres à propensão de interesses. Esconder-se na utopia. Viver sobre a sombra da vida.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Procurando o Sol



É meu caro, fui eu quem inventou o Português.
Quem o trouxe lá das pampas das galáxias,
Pra ser curtido ao leite, a Via láctea.
Em meio aos gritos do Ipiranga à pobre Dalva.
Quem fez da estrada de palavras um boreal, um céu poente.
Que instaurou o universo em um instante.
Pra se cruzar em rios, em afluentes,
Desaguado em meio ao mote. Em meio ao verbo...

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Sobretudo



Sobretudo
.
Navego desfilando pela linha da memória,
Pelos passos que me cabem na ladeira do destino,
Dos meus olhos que se vestem num coturno, em desatinos.
Sobre um canto vagaroso de verdade em seus acordes.
Meio ao ponto que intercede minha alma em dois caminhos.

Sou um eu, do qual se perde na neblina dos asseios,
Era um qual, de temeroso que destoa em incertezas.
Contundente no tremer bem curtido, em meus sorrisos,
Tem um cais de torpe antro de balelas ancoradas.
Vive quieto um rebotalho de águas rasas que se turvam
No intuito de se darem ao parecer de mais profundas...

Vou-me ao trafego do vento que me leva pela proa,
Entre o verbo torneado junto ao fôlego do tempo,
Erro tolo que distante dos sentidos, faz fugido,
Junto às cores sobre a face que me traem derradeiros.
Pelo véu desconhecido dos meus sonhos, vaga um mote
Que perdido tem na arte o refúgio que me vinga.

Aos fantasmas que povoam minhas vozes,
Faz do instinto um inquilino que prospera como um rei,
Que instaura o seu castelo em meio ao mar e suas turbas,
Que debanda em meio à guerra dos meus tomos em veredas,
E faz do feudo um regrado, um solo infértil para risos,
Dominado em meio às sombras das idéias...

Sobretudo, têm-se um hemisfério de motivos,
Mas que toma em sê humano, um uno inverno...

Sobretudo.

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Dos Dizeres Natalinos.



Os fantasmas se disfarçam nos sorrisos,
Têm por obra construir-se em firmamento,
Vagam tortos pela estrada do meu dia,
E deságuam na vidraça dos asseios.

A mentira apraz na forma dos desejos,
E por vontade que se deixa em comando,
Vai varrendo, os sentidos, sua mágoa.
Vai restando, tão somente, seus instintos.

Além-Mundo



Sob o velcro do dia, os projéteis dissimulam em picadeiro,
Aos pensamentos que me tem em sabotagem,
Vazam espectros, de tormentas que distorcem sobre mundos.

Ao passante, tem por arte a pintura do passado,
Que distante, visa adentro das memórias e
Discorre ao próprio vândalo que intercede.

Implode ao real, por toda linha, as circunstâncias.
Entre a vontade que se move o cancro em atitudes,
E se estende em sol poente sobre os olhos.

Razões surgem surdas sobre as faces,
Por impulso que sussurra lentamente,
Arranhando pelo muro dos meus veios,

Vaga um mundo nas estradas, minhas veias.

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Extra! Extra! Tecelão!



Com vida que se estende em corda por seus nós,
De linhas-palavras entrelaçadas por ponto e cruz,
Com verbo em agulha evocando a ação,
De driblas em meias-curvas, penetrando no corpo de vestes.

Dedilha em maestro um dedal,
Traja colete de versos brancos,
Economiza em estrofes pobres
Por não ter dinheiro do porte burguês.

—Dá bainha naquele impulso, Sinhá!
—Nossa! Cai como luva em seu inverno!
—Dá-lhe cinta! Segura o fecho mediano
Pra que não caia em samba, canção.

Acaba por fechar os botões (de rosa) da gola,
(H)À quem fica sufocado!
Em reservas por sua manga em punho,
Ao reger partitura nas meias, ou meios...

Guarda a máquina na cuca,
Desconfia das indústrias bélicas,
Lá pro meio das Avenidas,
Daquela de São Francisco à Los Angeles.

É empenho por comissão,
Crochê embotado e fora de moda,
Extra! Extra! Tecelão faliu!
Revolução Industrial!

Virou tecido sintético...

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Polaroid.



.
O dia apagou-se ao meu rastro,
Como se por luz me perdesse em foco,
E ainda que me deixasse em partes,
Não me tem por baliza...
Discorre fora de grau e do campo.

Rouba-me os cílios, induz os passos.
Montando errado o agora em terceira pessoa,
Escondendo traços sob jargões, enganado
Demais em meandros de interlocuções...
Catódico em versões, populismo bíblico.

Meu quebra-cabeça de prismas,
Quebra a razão sobre cores
E faz da alma, espectro.
Que pelas minhas atitudes
A verdade esteja em foto

E minha real face, em negativo.

O Herói Manchego.



Por entre o mote e seus moinhos
Cortando o fôlego do vento
Com seu verbo em cunho
Valendo os dragões do tempo...

Justificava os fatos pelas vontades
As estradas em sua armadura
Ou o reflexo do seu escudo
—Que enxergavam distorcidas no espaço.

Incluso na fantasia de seus sonhos
Pelas paredes de suas miragens
Ao deserto de seu espírito
Na precisão ante ao céu

Na mancha do espírito incauto
Que se tem por noite as razões,
Ou por destoar perdido em imaginação
Na fortaleza que ganha força por inércia

Tem-se por quadro abstrato
Onde repousam as duvidas
Um cadafalso de certezas
Fazendo da brisa seu farol

Pois, se em loucura desposar
Tem por companhia o mistério
Que finda além do horizonte
E se põe como sol pra raiar

E fazer do meio-dia as quatro estações.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Corpo Fechado.

Costumava estar por trás do vento. Nas costas de uma mão cega que descreve o muro do infinito que recai sobre si. Confiando segredos no sol enquanto me visto de lua. —Pois, se por estrela, me digas onde anda e te direis quem és—Propínquo de treva a quem me cobre em rigor.


Ditames puxam segredos ao meu cunho, como se a perversidade escorresse pelos poros das fraquezas, brindando cálices de pensamentos escuros que enrubescem a humanidade. Instintos persuadem a menina dos olhos,que, ultrajada, rasga com suas garras de vinil a eloqüência.—Perco-me no vermelho de uma vereda que acelera.


Instauro o pólo repelente, imanto a tez, guio os fios que concordam as estruturas deste fantoche, ao controle dos fios dados as Moiras (que tem por crença o corpo ermo da mortalidade que me faz navegar no destino, quando é este que navega em mim) que cortam o laço de ventríloquo que me falseiam. —Um fio prata que reflete as projeções, o castelo de escol que se arremete sobre o ego e me mantém erguido.


Guardado na mala do ator, embalado e trancafiado justamente na bagagem. Findo-me inatingível! Fechado entre trincheiras que se afundam os sentimentos, onde as armadilhas fecham criadas pela fé. Driblando a zaga dos escudos, escrevendo-me erros. –Fechando o verbo. —Aos sinônimos que se perdem ao conceito, que denotam, só pra sussurrar a silhueta...


Confundem-me os eixos na superstição: Seria, pois, por leigo que me advenho em afirmar as miragens, quando se por esta, prelude o deserto.Eu.


(Repostagem) Tomos Inacabados.



-Sinos.

Pendia torto, escorado numa abobada no alto de uma catedral. Suas vestes bailavam torpes e depressivas fazendo da ventania seu par. As Três Marias costuravam o céu com uma cor poente azul-celeste herdado pela própria fé. Vestiam-lhe um cinturão de Orion, ainda que este reluzisse distante em mar distante, de Poseidon, seu alfaiate. Dando lhe cores salgadas de um mar, que com suas turbas, faziam crescer um manto branco que lhe toldava graves sentidos incautos.

Nos seus olhos ainda descobriam tenazes astros e ares imperfeitos. Donde a lua se fez companhia, sentando-se em meio ao céu e servindo da maré, seu chá predileto. Via Láctea se fazia de meretriz e amante das estrelas que estendiam em nuvens alvas pelo céu dos sentidos impuros da própria mente mundana deste herói. —Sinos—Ainda que o tempo se mantenha rebelde em sua puberdade, passava ligeiro por entre os alaúdes e conchas acústicas moldadas em telhas que embalavam seu garoto.

Admirável canto novo aquele que o ascendia em seus recônditos, fazendo crer no réquiem de acolhida cantada pela vida que nasce tenra o semeado fruto humano. Baile da prole. A ágape começava sinuoso entre as primeiras horas da noite, deixando as madeixas de suas memórias
caírem aderentes a sua fronde suada e cansada. Levanta-se junto ao dia os ânimos da própria estação. Deixando as folhas do outono se estender em seu sorriso breve.

Bardo dos próprios olhares, da nona musica que era cantada pelos seus passos solitários e ressonantes na labuta da noite operária. Aos caminhos divergentes na própria face, de escolher entre céu e terra, amor e sonhos. Errava pela fonte de eterna crença, na bíblia de todos os seus pecados... —Aos altos estigmas das burguesias—Oferecia o seu barrete, do seu bobo e do seu nobre, se fazia aderente a vontade dos anjos. Mesmo que sua crença esteja na falta de fé.

Tentando abrir um buraco no oceano do próprio orgulho. Desacreditando nos retalhos da própria canção! De todos seus planos, de todos... —De todos... —Se encontrou refletido no espelho, Vitória-Régia, sentiu-se Iracema, por grada beleza. Viu Santa repousar no Alasca enquanto
caminhava por entre seu ódio. Alegorias da própria valia, alegoria do eu. Montagens e Castelos de nada, Torre de Babel.

Ele embaralhou as cartas do próprio destino, andou de mãos dadas em estrada de mão dupla para o passado. Vaga-Mundo. Enquanto meus olhos ensejam a chegada da vida. Sentado nas nuvens, pulava entre os Elísios, que ainda distantes siameses com a glória. Embarca na morte,
no rio Aquedonte. No buraco do tempo, no próprio tormento. As velas içadas, por Ovídio notado, enquanto incerto num plano exato.

Frenesi mundano, frenesi humano. Ao qual ele partia sem nenhum dote, ao que de todos estes se refugiam em seus motivos. Esqueceu-se das pinturas em seu senso, das arquiteturas planejadas para seus abraços. De todo um mundo que girava no próprio vazio, no mesmo lugar, bolinha de gude do coração das galáxias. Ele soltava pião, corria por pipas, morria por odes. Vivia comigo, enquanto acreditava estar sozinho.

Menino dos olhos? Menina dos olhos, dos olhos do mundo, do meu além-mundo, do mundo dos homens. Jazia de fé, jazia de sonhos, mas nunca de antros de belas palavras. Fazia do julgo, inteiro refúgio. Fazia do púlpito seu melhor estandarte. Vivia de arte, enquanto cantava. E vivia, mas vivia por ela. E por ai vai...

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

O Menestrel.

Volume I – Melquior – Capítulo Primeiro.




Fidalgo:

«O céu mostra-se um livro aberto para o infinito, suas cores são palavras variantes, intensas sobre o véu do pensamento, sua natureza é de verso indomável, recobre a tez da alma, faz-se aventurar ao som pelas odes. Navega nas costas do vento aos confins da ilusão, céu que se abre em horizonte, o poente das idéias...

Busco escrever neste céu e transformar nele o mundo em palavras, pra tanto, quisera eu ser alquimista, mas o ego me falha, recai sóbrio num mero sonhador. Mas hei de traçar a cartografia humoral, navegar na consciência, pelo antro dos meus sonhos, pela plebe dos vocábulos e fazer da fé, real mosteiro.

Errar na corte dos planos ermos, entre a personalidade dos relevos, ante a vontade do âmago, pela soberbia das vãs estradas, pelo rastro da estória, cortando os fios do destino. Se perder na corda dos milhões, no complexo dos olhos. Desfeito, vivendo em todos e uno no próprio verbo. »

Pontos:

O conheci desafiando a própria morte, seu reflexo com vivaz, o próprio algoz, prostrando em esmo aos sentimentos e por eles o coração, a sua barca. Quedava humano, pelo infinito do intento de seus atos. Viajante no excesso, pelas obras, pela tormenta, fazendo do desterro, sua arte...

E para contar-lhes a escádea da jornada, me permito cultivar a sua estória, segregando por sementes e plantando por memória como toa. Findo em narrar seus passos, mas ainda é necessário esclarecer nuances sobre a causa que me aturde, ao final, que se engana sobre início
(...)

-----------------

Roubava o fôlego do céu, suas mãos se levantavam pra tentar agarrar o manto da noite pelo acorde. O vento vinha molestando a razão, quitando de sua meninice o incauto pensamento, grilhões ungidos de excesso, ao mar de fundo, ungido de turbas, destes braços salinos que deságuam nas cicatrizes do parco tempo.

Ao corpo de estrelas que se debruçava invadindo aos olhos. O corpo, libertino como era, se despiu em cosmos, desfeito em sentimentos. E é deitado pelas tabas daquela nave que guiava as suas naus do canto. Entre os versos calados, entre jargões profanos, refratava, a saber, sob a procura, o palíndromo do infinito...

Ditoso por instaurar a realidade ao prol da literal. A lucidez portava asas, vestia-se de mito, endeusado de influências, cambaleante ao deserto por psique proclamada. Alça vôo, implode em sorriso insensato, faz do tempo brado servo que se apaga no comum, o comum, homogêneo ao
vazio, ao seguro que de perigo inerte por inércia. Torpe por Ícaro de ilusão, as tenras asas.

E por dentro, pelo picadeiro da alma, fora do foco pela luz vertente das virtudes, perdem seu feixe, não dissociam em luz própria, desencadeia a cólera de sua morada, o campo de batalha de seus valores. Vozes que falam alto ao instinto,quebram o pensamento, turvam o espelho que deflagra a imagem.

—Por dentro, aos mares subcutâneos, o céu apresenta o sétimo sinal.—

«—E não mais que nada, ainda me faço imprescindível, sou teto, cubro e suporto chuvas, rajadas de pressão até ao calor insuportável, e até mesmo cicatrizes abertas em meio a infiltrações. Velo-te, toldo sombra, Atlas de um mundo denso em inverdades. Isolo da atmosfera torpe. Das alegorias que não penetram na derme.

Era guerra no seu antro, o teto começava outorgando direito de liderança, comandar o corpo da morada, tomar os partidos justos como sua potência.

—Como alguém que não enxerga o céu poderia liderar? Sem tripudiar, sem voar, sem roubar o horizonte! Além de sonhar sem os pés no chão, longe demais da queda, fora do alcance das mãos... —Respondeu do garoto, sua sombra, refutando e defendendo seus preceitos.

—Aos lirismos, em sentimentos retráteis, fotografados em memória eterna, em arte.—Distava os quadros de arte moderna, todas em freqüência uníssona.—Te afogo em cultura, ao saber, intelecto, ao excelso que completa o seu vazio, liderar no saber e em persuasão. Fazer se entender no conhecimento.

A presunção da arte e sua soberba trás asco até a própria imagem. A arte se maquia somente a fim de corroborar com sua falta de tato. Distorcida em valores, peca em profundidade. Faz-se ar de polegada.

—Um líder que não desdobra nem da sua moldura? Frisado no passado, lacaio de livros e senso dos autores... Da verdade e limites que te cabem, se perde em ilusões em tom pastel. Acaba em restringir e afunilar por cultura e manter erros em tradições. —Definhou a sombra desmistificando a aquarela, por ele, era sopinha de letras.

—E aos valores então? Do erário de seu mundo, em riqueza que compra ao teu conforto, sou cofre, que além de te comprar a galáxia, seguro os segredos mais profundos! Que camuflam o ego e protege blindado o frio do metal. Isola o eu dos ladrões do mundo, te esconde e zela por
segurança.



O cofre, de tal arrogância, flutuava num mar de cobiça, sempre escondido, um tanto vulnerável e, portanto, precisava de proteção. Reflete blindado o investimento, nega ações e quebra a 'bolsa de
valores'.

—Que líder é o que esconde o eu do todo? Preso na própria segurança e se perde nas senhas e alienações, não sente, não vive, não compartilha os sucessos. Não paga felicidade, me joga no vazio vasto da galáxia que compraste! Mente-se em segredos! Ao preconceito de sua barreira,
de sua distância. Tendo na segurança, o real perigo. —A sombra se mantinha impassível, prostrou-se ao relento, isolado em valia de reflexões. Logrando sua atenção, veio outro que pedia em posse seus direitos.

—E eu? Que aceito as tuas visitas? Instalo em portas, em quadros, em salas, amplio! Entendendo meu porte em geometria empírica por andares, sou parede, que se abre em fronteiras e limites. Adapto-me ao ambiente, ao clima, em vila de conceitos e reformo, eu que tolero as invasões, da paciência que me toma por concreto. Ao direito de saber o meu lugar...

Pensativa,a sombra deixou o silêncio por instantes para responder com a angustia à expectativa daquelas faces, driblando as dúvidas, tragou a impaciência.

—Tu, que distorces ao teu favor, conveniente em fronteiras para guardar tuas conquistas! Meça limites sobre a expansão, dá números ao meu terreno, me prende e me força pelo caminho, tudo por mera vontade do impulso! Postando em locais estratégicos para me levar ao teu agrado, se esconde real nas cortinas, cria expectativas e planos com suas janelas para o poente. E se tolera, é pra se manter erguida, pois é de pau a pique, teme até vendaval!

—Por suportar teu mundo, teria eu, valor? Por assistir em seus abalos sísmicos, seus edifícios, os passos, erosões, rachaduras... Teria valor, se assim tão sujo, fosse digno de confiança? Por moldar sua crosta, enterrar em mim suas raízes, o que teria como empenho senão total sustento?

—E por ser estático, se mostra inflexível. Quase me enganou com sua balela. Fica ai, imiscível ao mar, desse denso mundo abstrato.Suporta a superfície, quando o mundo real atua no interior, no manto quente do magma, pois a crosta é moldada por desastre natura, costuma a corroer, propensa a natureza instável. Se trás sustento, não vive sem ele. Logo, não é adaptado ao independente. —Ele já ia se retirando, mandaria o caos demolir o eu que havia construído.

—Então por não me enxergarem, não teria o meu direito? Só sou as bases erradas, soterrado debaixo da terra, alicerce, o primogênito do antro.

Todos riram, o teto zombou de sua baixeza, ao quadro a falta de cores, o cofre a pobreza dos traços, a parede debochou das traves, o chão por estar acima e mesmo na menor escala.

Humilhado, o alicerce se foi, a casa veio abaixo, reconstruir pelo nada, restaurar pela sombra, errar no vazio, operário do eu. »

Pontos:

Meneou ao sonho, já destituído de defesas, suplantado por sentidos, a grandeza por intensidade que devassa em seus valores. Um fidalgo que atravessa a porta da lei, sai do casulo, vislumbra o futuro em seu quintal, passa calmo pelo campo de seus planos, singrado e ruído pelo tempo.

Avistou o moinho de vento, pensamentos eólicos, que por energia se deriva, viaja em temperamento pelas costas do vento. O instinto se estende em floresta de relevo alto, selvagem, podendo se justificar na natureza e derivação dos somos, os soldadinhos de chumbo da comédia, o
meio que transborda em ironia.

Arrastou os pés ao poço, este, havia secado pela estiagem, inverno de nuvens de traço lasso, de sorriso ameno em meio a secura do ar. De uma camada de ozônio abalada, feita de pontes de hidrogênio com o ego, dativa com filosofias de bolso, com sérios buracos ao efeito estufa dos sentimentos, com gás carbono por combustível que queima em matéria-prima: as ilusões.

E por vertigem de distância e estrada para dentro do solo, o patife tonteou, por razão se agarrou a corda que se desenrolava no parapeito do humilde poço, caiu por efeito da gravidade magnética de seu interior, sem susto ou surpresa, mas por atração.

Estabacou em água rasa, manto solúvel que exalava cheiro doce, cor de sangue, consistente e denso. No antro do poço era visível, este se estendia num açude, uma caverna sinuosa e pontiaguda, estalactites e estalagmites que se fechavam como dentes.

Tochas vibravam doentes, delgadas e foragidas em meio ao tronco rochoso. Como se aquele átrio o soprasse para fora, como se sussurrasse... A luz ameaçava tímida pelos lampiões de fosco alaranjado, balançavam rangendo alto no fio de cobre. Vereda que se estendia como a palma que oferece em ventura.

Arriscou galgar na dúvida, os passos cegos na treva abissal. Pelos cantantes grilos no silêncio, pressupôs que era noite, ao se confirmar quando chegou ao abraço do céu, notou que as nuvens—manchas turvas que escondem o brio das estrelas—guardam a cor por trás da capa, conquanto
o vislumbre hipnotizasse e o puxasse pelos cílios.

Fim da parte I

(Próxima parte: O moiro do além-mundo.)


sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Inverno.



Enxergo ao largo do rio perene o infinito, processo vertigens para que possam suprir a sede da consciência. Pensar que um dia serão meus ossos e meu cérebro sufocados singelamente em dois metros de terra, é pavoroso, atraente e angustiante. Além de constar que o natural irá por sucumbir por meio ao vazio. Assim como me prostro a esmo do deserto infinito do meu nada.

E meus traços e história galgando errantes dentro de asteróides, versos descansando por sombra de luas, memórias dissecadas, sol sendo andarilho no próprio vazio de luz que de nada se vale sem a consciência da razão. E por seu hélio, gasto, consumido como a vontade, o volver do canto de um garoto infinitamente promissor.

É inverno... Imortalidade será esquecer e abrir mão das linhas? Seria aprender a curtir a pequenez e se dissipar como um todo? É como aprender a ser estrela pra depois se sondar como noite? Então, é melhor fixar em ter minha passagem pelas paredes do nunca com os sabores das verdades que se importa em veredas, desabar pelas pontes e situar em tudo e em todos como ser uno e homogêneo nos corações.

Imortalizar o singular na função de cada peça, na oportunidade de um original. É manter-se íntegro na dissociação.

Papanicolau na psique (?)




Quantos portais existem por trás do pensamento?

É verão no meu deserto. Meu fôlego é um peregrino
que corre ao mundo em busca de um parecer, se fada
em versos sânscritos de um espírito que corre pelas
veredas dos meus veios.

Meus versos são suspiros do passado, maculam e
falseiam sibilantes. Minha vontade usa burca, se
nega por mandato e tradições de um ego suspeito
por roubos em justaposta. Os motivos vislumbram
a utopia, são platônicos que velam o tesouro em lugal
algum.

A literal da alma denota: -Queria ser uma folha. Por
um ser de páginas em branco, para me instaurar
por vida e história nas conchaves da pessoalidade
dos parágrafos. E ser anedota por parte do livro
perdido de mentes & memórias, ser peça em primor,
pavimento das razões, translações do próprio eixo,
rotação dos sentidos.

Quiçá me deter antes de visionar as ruas sem saída,
pelas guerras e medos no monotrilho dos erros.
Na gratuidade da falta, no bingo do teatro tal qual
o humor se apresenta pela divina comédia, mas é
o fórum do tato que se paga por Caronte, que recebe
os impostos da morte, onde a inflação remete por
pulgatório.

O coração é dvidido em estâncias, a tormenta é o
condado da classe média, a verdade é o vassalo que
atende em nome da influência. As idéias são ilhas,
se estendem adiante aos sonhos, se calam por
romper em Triângulo das Bermudas,onde a
perdição dos navegadores do integro social da
minha imagem.

O olhar é o imediato, observa e se prontifica
mediante ao mar em terra-vista. Ancoura por
Édipo, por casar-se com a Terra e se fazer de
herdeiro e amante em ideal, contundente por
semelhança de bastardo.

O futuro se cumpre por Pasárgada, se ilude pela
própria existência, o amanhã que rouba a consciência
do agora, se vale em esperança de Colombo por
atravessar o Atlântico e suplantar as projeções do
instinto, zoomorfização da alma, humanização do
abstrato, ágape na coita das tradições, cultura que
segrega a verdade incólume em manual de instruções.

Deus que embaralha as cartas e a vida que se revela
em quebra-cabeça, se encaixando em pesadelos por uma
roleta da fortuna de uma maior sorte que a própria
nobreza do mérito.

Se soa prolixo, se deve a falta de força ao inspirar,
pela íris que se condena no juizado de menores,
meninice da envergadura, o pré-conceito que se
cabe em qualquer ocaso, uma involução do pensar.
Atrofia aquele que não se perde na imaginação e
não sabe aventurar nas ilusões. Arte-fício.

Não se abstem de superlativos os vazões da prole.

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Gioconda.





É aquela que passa,
Pinta-se em tarde.
É quadro sem moldura
Que foge das cores ao passado.

Se por mistério expressa
A guerra do tomo em excelso
Por gestos e silêncio. É por conter-se
Nas flores e cachos do dia, que por fim se destoa.

É divisível por realidade,
Contorna a tez em preferência.
Mora no castelo em projeção,
Bem em meio dos contos cingidos por Segrel.

Condessa de conforto,
É arte maquiada por nome falso
Em meio ao Cadafalso.
—Meretriz! Se vende em Monalisa.

Ataraxia.




Nem o sol, nem a morte devem ser olhados fixamente.

(As pessoas só enxergam o quanto poderia suportar, mesmo por serem rogadas de luz e sombra, estas, sempre se fazem presentes, ofusca a visão e cega, penetra os olhos irascivelmente, refletem como prisma as atitudes e se prostram em veredas. São constantes irrevogáveis do instinto e da natureza. Faces opostas de irmãs de mesmo rosto.)

A sombra vai guiando paradoxal a claridade, é morte que nos acompanha costurada aos pés antes mesmo do nascer da consciência, como que fossea irmã mais velha do amadurecimento, percebe as folhas caídas, caixões de mogno, pessoas que partem iminentemente... Uma penumbra que segue adiante, se projetando estendida numa imagem maior que os asseios. E reverente ao algoz da luminária, queda em bastidores, paciente, atrás do foco.

Morte que: Ao se fazer protagonista, silencia a história, se discorre em concretizar a vida eterna dos passos. E, proeminente, constrói o mundo. Instaura os mortos como alicerces, guardando sobre o manto do solo, com suas vidas se tornando a base do mundo, ao coração deste.Como vigas que seguram os erros mundanos com a anátema eterna por se acomodarem no negativo da foto... Enraízam-se fadados, dissipando ao seio de Gaia.

Pilhando a solidez da alma, o tempo dribla transpassando o vento, sorvendo as estações com apetite moderado, meio que apressado em horas exatas. Os segundos contam-se como ladinos de planos por acidentes,que chegam de visita entre o caos e apresenta sua amante, morte da vida somente, Severina. E por ter ciência, troquei o jargão da consciência sabendo que neste comércio de valores, assinei o aval anti-matéria. Desci do Vahala, buscando a mortalidade como vigília de venturas da minha inocência.

O erro vinga como oxigênio nas veias, ocorre como o passado,irreverente, como flechas que são lançadas a esmo ao destino. —Todo pesadelo é um sonho no qual a angústia da morte escapou de seu cercado e ameaça o sonhador. E apesar da 'concretude' da morte nos destruir, a idéia da morte nos salva. A sombra é esse inevitável que destrói o íntimo, arranha a porta da consciência, como vermes que consomem as memórias, vacila surda pelo córtex e se infiltra, vírus sobrepostos nos sentidos.

Age como imunodeficiência da personalidade, se quebra em espelho de medos, ceifa a cerne, torpedeia as ações, é sono adjunto por dependência e favor de uma voz. Pormenores de uma noite sem estrelas,anseio de um dia sem cor, balela de histórias mal contadas...

sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Catarse

Ato I—Passado.

Ebenezer cochilava ao jantar, fazia da sombra seu par. A vela crepitava lentamente, meneando seus cabelos de sol sobre o ar, a cera deslizava tinhosa, secava chegando ao cinzel. A lua brincava lá fora, cantava uma bela canção... Ao velho que sonhava ser moço.—Sonhava aquilo que era. — O tempo passava a ser frágil. Silencioso entre ataques de artrite. O sono veio de velho, de lasso, de combalido. Visava ser franco e honesto, levava os dotes do velho,daquilo que mais amava...

Cortinas sambavam ao vento, foxtrot dos tempos modernos.A sopa esfriava aos poucos, sopinha de alho poró. A mão reclamando a colher, dissabor da sopa de pedras. O terno das compras de inverno, de anos atrás de lembranças. Retalhos: O panos de mesa. Retalhos: A alma do velho. Umbrais que jaziam cansados, átrios até dizimados. Defesas então? Suplantadas. Restava acorde dos velhos, espera da morte e do tempo. Aqueles que nunca chegavam, quem sabe talvez, tão distantes.

Relógio marcava às três horas, três dias de leve mormaço.Rouxinol cantava tão triste, cantava em prol da miséria, da alma, das parcas palavras. Badalos soavam possantes, vagavam sem longo destino,morriam cansados e tristes, na noite de inverno sofrido. Talvez por tão alvas madeixas, por ter tão louvadas doenças, podia ser, pois,perdoado. Que a fim de expiar seus pecados, vivia tão cego e sozinho.Sentia se senhor da tormenta, mas só, e só em seu mundo. –Coitado do velho guerreiro, largado no raiar da noite, do fim do dia da vida.

Do umbral um escuro abissal, asado e de porte modesto,fitava com seu champanha, seus olhos de fogo batido. No bico,ininteligível, posava de astro da morte, levando o corpo de gala.Quitava presságios soturnos, deixava a foice de molho. Um corvo!Pudera tal zelo, só ele velava sem pressa, sem fome, sem gula aparente. –Acorde!—Distou ele, agudo. —Acorde, fulgura alma torpe! A noite fizera de morte seus olhos de sono abatido. —E dada iminente surpresa, o velho caiu da cadeira. Olhou de esguelha o bicho, fingindo não ter compromisso. —Xô! Seu demônio enrustido, deixe-me aqui aturdido, ao quer que me queira disposto, perante altas horas da noite. Não quero dizer grosserias, só quero sossego e conforto, pois minha'lma não gera conforto e tão logo, distante sossego. E guerras com o próprio egoísmo, e trevas no meu poderio, conquanto disfarço de mim, enganos e alegorias. A voz que destoa infante, influências em grado motim. Já basta! Se afaste de mim!

Não suporta nem as próprias palavras, do véu e do céu,tudo irrita. Beirando a loucura fantástica, se achando o deus dos cem mundos, sem mundos (?) da corte em feudos, divide a glória em estâncias. Divide lembranças em virtudes, felicidades em vicissitudes,embotam em manchas o passado, do velho então consumido. Pudera estar sonhando, ou olhos confabulando! Mas sonhos não doem as costas, os dedos, a perna e artrites, por isso se via menino, com medo até das montanhas. Voltou atenção ao seu prato, preferiu dar-lhe ao gato...Proveito melhor se teria.

O corvo cerrou ao encalço, deixando a presa sem rumo,fitou-lhe a cara enrugada. Vetou, abriu asas, calou. Silêncio, terror e cadência, o breve e maior momento. O velho tropeçava nas tabas, o corvo tropeçava nas covas. —Tecelão da morte quem dita, não sou eu nem valete que grita! Não é morte assim que vos trago, sede calmo, em vista vos salvo... São almas que mandam seu Hermes, mensagem que aplaca o pavor. Em três que hão vir pela noite, ao toque das três a três horas, patife, prepare o pobre rigor, pois visitas terá de agradar.

Voou, pra bem longe voou, um ser que a mãe noite abraçou, pregando estrelas no céu. O velho tombou a cabeça, na mesa que ainda estava, vacilou os pensamentos lembrando—Seria um sonho qualquer? Pesadelo sem graça, sequer?—Duvidava ainda em seu sono,poderia ser ciência de seu tomo? Desistiu de entender os seus votos,subiu por seus ombros tortos, aquilo que chamava de escada. Expulsou o cachorro da sala, xingou seus antecedentes. Amaldiçoou até mesmo contente! Coçando seus olhos ardentes. A noite por si terminava,trancou a porta à seis chaves, visou de vigília as três travas.

"Espíritos não chegam à noite! Nos sonhos ou tão distante! Corto-lhe a garganta cá foice! Entrego as tripas à sorte!"Pensou o velho em sei leito—Sem temor assim eu me deito!—Firmou o seu carma, segurando na mão, espingarda. Pôs cousa então na estante, a vela então obstante, resignada aos falsos espíritos.Barrete caiu sobre os olhos, visando seus tomos notórios, da noite quese fazia em boreal, contraste tão solo e sem igual.

—Aos sonhos eu hei de frustrar, Caronte visou em mandar,sua alma de mais torrente, que flui sobre as águas do mundo, que flui sobre os passos incertos, vigília dos donos do inferno, os pecados que então cometidos, a tal servo terá de pagar. De nome então, Serafin,dos anjos outrora caídos. Da terra vaga ao norte e ausente, ao sul vaga errado e contente. Ao leste, ledo então, enganado. Oeste, ao que o mundo fizeste, esquecido e então, coagido.

Assim parou o anjo solene, trazia na mão o seu leme, que fazia de posse a Caronte. Sorriu com seus olhos tão tristes, na falta de melhores instantes, quietou junto aos cantos distantes, do velho que tremia em constantes. —"E o vento, então, volvendo, toda alma em mim, ardendo, de visitas nunca antes tais, loucura tão dura?Jamais!"—Pensava em reposteiro frouxo, lutava pra não ser coxo, ou escravo dos próprios demônios. Apontou sua arma e falou. —Senhor, de certo me desculpais, sou um velho e nada mais, de nada há de valor em meus ais, só um tolo e seus postais...

Ao anjo, parecia esconder seu legado, interrompeu levantando seu dedo, tirando o velho de seu degredo. –Ao que me tens concedido, ao tempo que me foi havido, não vou fazer musicais, destes tomos celestiais. Deixeis que eu esteja em certeza, que ponha as cartas na mesa, bendita bondade infinita... —Mentiu o anjo ao agrado,encantando mais pelo fado, em beleza ante pobres palavras. –Porém hei de dispor rituais, para voltar sem demais, logo aos teus ancestrais.Ao verdadeiro propósito, sou o fantasma Passado, aquele que se foi sem contrato.

Ao tal parente, ou transparente... O espírito abriu a janela, quedou a passar por ela, estendendo a mão, ou o que seria dela. O velho acuou seu espírito, expulsou seus temores e vícios.Arrastou as chinelas às traves, acreditou então nas conchaves. Olhou sobre o ombro lá fora, chegava a chegada hora, de enfrentar ora pois,aos seus erros. Tremia de todo ao estorvo. –"Não pode ser tão surreal,ou lógica assim desigual, mas de belo ou de grande me encanta, que até aos meus males espanta, mas perder a vida não tida? O que tenho então a perder?"—E a noite velava os caminhos, daqueles que andavam sozinhos. Dos pregões vazios do céu, operário de noite: Argamassa,operário: de estrelas de pregos.

De lua que se escondia nas nuvens, escondia por ter-se de inveja, por venturas tão só assistidas, venturas tão só, suspiradas...Mas antes que se zangasse impotente, Ebenezer caiu da morada, e em queda a vida passava, em seus olhos um pobre menino, do abrigo que o mundo lhe dava, em valor do valor lhe tirado... Seus olhos abriram espantados, estava no meio da rua, devia ter seus dez anos, junto a torpe alma dista de graça.

A rua apinhada de gente. Transeuntes fitavam contentes as lojas que se enchiam em instantes, vendiam os livros da estante. O sol bocejando tão cedo, caminhava no anil do infinito. E o garoto fugido de amor, roubava com olhos de gula, aquilo que nunca comprava... Felicidade. A alma deu mão ao menino. —De tão novo já se entende ao povo. Magia? Disenteria... Fitando por trás dos retalhos,fazendo dos sonhos, frangalhos, e de almoço seu Deus.

Passado por si apagado, do nunca que havia caçado.Vergonha daquilo que era, de tudo, talvez, que não tinha. Faltavam-lhe ossos mais largos, ou olhos com cores de lagos; de largo só tinha as orelhas, de lago, a disfunção uretral... O que tinha era de órfão, de mundo que fazia bastardo, fazendo de almoço o seu fardo.

Moveu-se ao muro de piche, lembrava de seu beliche que de alto se fazia elevado (E só desse jeito, pudera...). Madona dos olhos de gueixa chegou pela praça falando. —A que te cumpra de companhia, que saia de tal fantasia... Querer, ora pois, do seu jeito,sem sequer cuidar do seu leito?! E pedir, exigir, preferências?! Desça do muro, ao mundo, vagabundo! Que o inferno está cheio de glória, de almas tal qual a tua!

Garoto franziu o cenho, desprezando qualquer empenho,cá dona se esforçava em fazer. —Eu não me importo com nada.—distou—Nem Boto, Saci, ou em Fada. Talvez me disfarço de gente, na necessidade de comer um prato quente.—Quedou em sua vez, displicente.Fugiu ao açude em virtude de buscar sua real atitude. Vagou a subir a choupana, chupando um pedaço de cana. —Queria ver o moinho, ele me deixa sozinho...

Correu sobre a rua asfaltada, pulou para o ramo de escadas, fazendo as telhas de estradas, desviando por entre as sacadas. —"No mundo não existem estradas, pois ao largo se viaja solo,estradas, são cousas seguidas, seguidas por todos os tolos, vida é cousa sofrida, se abre caminho cá mão."—Pensou ele aos pulos dos cegos.

"E sentimentos? São cousas mais bobas, só vejo o que a mim eu produzo, por isso me faço de mundo, me perco no meu infinito,no mundo das mias palavras."—Da rua de pedras à rua de terras. Chegou ao riacho em vertentes, perfeito pra dias mais quentes. O sol começava poente, canção de eterna potência.

Chegava ao Reino das Fadas... Ou quem sabe ao Reino dos Fados... Dos dentes-de-leão subjugavam, as arvores que em tarde cantavam. Embalos ao som da ressaca, ao riacho tocando alaúde, fluindo acordes à noite, do engano que estava pra peixe. Ao som do silêncio da vida, valia, buscava de si, companhia, nomeando a sombra o seu cavalheiro, de escudeiro e guerreiro em seu somos, somente, boneco ventríloquo. Louco, loquaz, por ele, ao fio a sofisma reinava, mandava a sombra incutir o seu reino, covardia fazia o sujeito.

Não queria que ninguém chegasse, olhando desconfiado,ficado assim em seu grado. O mundo o fizera de santo, por ser o motivo do seu pranto... Enganado na sua verdade, mentira, do mundo que não conhecia. Seria desconfiança, motivo da sua distância? Desconfiança é pra quem espera, motivos pra se desprezar, por isso olhava distante,querendo chegar instante, que ao longo apareça um semblante.

Viu distante garota dos cachos de mel... Parecia vinda do céu, em seus olhos até fogaréu! Cruzava riacho com suas sandálias,prostrava em direção ao menino. Garoto caiu visando o momento,improvisado com seu cata-vento. —Donzela que fazes tão longe da vida,mereço sê alma sofrida? Quem sabe, então, merecida, de praxes castigos insanos? Comum ninguém é eu vos digo, sou anjo! O maior de todos! De alto, soberbo! De tolo e de bobo, ao mundo que acha errado. Crenças são para fracos, acredito, acredite na minha potência!

Reverências. Estigmas, proles e maneiras. Ética só existe hipoteticamente, pois, se faz de hipocrisia. Maquia real interesse do lobo. Do lobo em prol de menino. —Limites, só tenho aos céus, céus que não meçam distâncias, atravesso qualquer estância,atravesso por toda ganância!— O garoto falou. Mas por então falar não ter limites, impunha por isso limites? Objetivo não são limites?Enganos: As máscaras torpes, Enganos: O rosto por trás da máscara,Engano: A face por trás do rosto.

Humanos, conjuntos de erros. A garota era uma só ilusão, daquilo que acreditava, do mundo que ele esperava, de tudo por qual ele andava, embora em suas vãs filosofias, na verdade buscava Sophia, aquela que não existia. Vagava errante e distante, por ser sempre em modus operandi ao destino que acreditava fazer. Escravo de seus pensamentos, escravo de ensinamentos, fazendo da sua doutrina de outros, verdade que os outros mentiam.

Acabava por sempre sozinho, suportava as verdades no ninho, volvendo a cidade dos velhos, por entre os todos, sozinho, das palavras nem a si entendido, pois, palavras lhe tinham aos montes, mas irreais, ressoavam vazias, motivos quem sabe... Não tinha... Voltou para estrada da vida, voltou ao castigo da alma. — Que a morte só seria grado alívio, que viver é verdadeira valentia. Que tu nunca tiveste livre-arbítrio, que morrer é a suma garantia. Hasteias tua bandeira e conserva para ti os teus medos, indo-me embora, agora te deixando sem definição. E que busque sozinho tua própria solução.Donde não há remédio nem cura, vaga sem minha ajuda, ao véu dos teus males eternos.

E como estória de lenda, fez no coração do garoto uma fenda, que o sangue transbordava como prenda. E do leme transpassou seu coração pequenino. —Que da dor vai crescer em vão, que mesmo jazendo ao meu chão, não se ache o melhor dos irmãos, guiai, pois,então, por seu pobre jargão. —E a noite os prendeu no fim de tal morte, o começo. A lua platinava e entrava no pobre pequeno, da maldição que os anjos fadavam, de tal grande se fazia cego e a queda é de todo, é fatal.

Girava ao leme a roda da vida, de lúdico ao pudico o anjo vos disse subindo aos céus—Servi sumus legi ut liberi essemus.—E se fez dissoluto sobre o mundo.

Fim do ato I