segunda-feira, 24 de novembro de 2008

O Menestrel.

Volume I – Melquior – Capítulo Primeiro.




Fidalgo:

«O céu mostra-se um livro aberto para o infinito, suas cores são palavras variantes, intensas sobre o véu do pensamento, sua natureza é de verso indomável, recobre a tez da alma, faz-se aventurar ao som pelas odes. Navega nas costas do vento aos confins da ilusão, céu que se abre em horizonte, o poente das idéias...

Busco escrever neste céu e transformar nele o mundo em palavras, pra tanto, quisera eu ser alquimista, mas o ego me falha, recai sóbrio num mero sonhador. Mas hei de traçar a cartografia humoral, navegar na consciência, pelo antro dos meus sonhos, pela plebe dos vocábulos e fazer da fé, real mosteiro.

Errar na corte dos planos ermos, entre a personalidade dos relevos, ante a vontade do âmago, pela soberbia das vãs estradas, pelo rastro da estória, cortando os fios do destino. Se perder na corda dos milhões, no complexo dos olhos. Desfeito, vivendo em todos e uno no próprio verbo. »

Pontos:

O conheci desafiando a própria morte, seu reflexo com vivaz, o próprio algoz, prostrando em esmo aos sentimentos e por eles o coração, a sua barca. Quedava humano, pelo infinito do intento de seus atos. Viajante no excesso, pelas obras, pela tormenta, fazendo do desterro, sua arte...

E para contar-lhes a escádea da jornada, me permito cultivar a sua estória, segregando por sementes e plantando por memória como toa. Findo em narrar seus passos, mas ainda é necessário esclarecer nuances sobre a causa que me aturde, ao final, que se engana sobre início
(...)

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Roubava o fôlego do céu, suas mãos se levantavam pra tentar agarrar o manto da noite pelo acorde. O vento vinha molestando a razão, quitando de sua meninice o incauto pensamento, grilhões ungidos de excesso, ao mar de fundo, ungido de turbas, destes braços salinos que deságuam nas cicatrizes do parco tempo.

Ao corpo de estrelas que se debruçava invadindo aos olhos. O corpo, libertino como era, se despiu em cosmos, desfeito em sentimentos. E é deitado pelas tabas daquela nave que guiava as suas naus do canto. Entre os versos calados, entre jargões profanos, refratava, a saber, sob a procura, o palíndromo do infinito...

Ditoso por instaurar a realidade ao prol da literal. A lucidez portava asas, vestia-se de mito, endeusado de influências, cambaleante ao deserto por psique proclamada. Alça vôo, implode em sorriso insensato, faz do tempo brado servo que se apaga no comum, o comum, homogêneo ao
vazio, ao seguro que de perigo inerte por inércia. Torpe por Ícaro de ilusão, as tenras asas.

E por dentro, pelo picadeiro da alma, fora do foco pela luz vertente das virtudes, perdem seu feixe, não dissociam em luz própria, desencadeia a cólera de sua morada, o campo de batalha de seus valores. Vozes que falam alto ao instinto,quebram o pensamento, turvam o espelho que deflagra a imagem.

—Por dentro, aos mares subcutâneos, o céu apresenta o sétimo sinal.—

«—E não mais que nada, ainda me faço imprescindível, sou teto, cubro e suporto chuvas, rajadas de pressão até ao calor insuportável, e até mesmo cicatrizes abertas em meio a infiltrações. Velo-te, toldo sombra, Atlas de um mundo denso em inverdades. Isolo da atmosfera torpe. Das alegorias que não penetram na derme.

Era guerra no seu antro, o teto começava outorgando direito de liderança, comandar o corpo da morada, tomar os partidos justos como sua potência.

—Como alguém que não enxerga o céu poderia liderar? Sem tripudiar, sem voar, sem roubar o horizonte! Além de sonhar sem os pés no chão, longe demais da queda, fora do alcance das mãos... —Respondeu do garoto, sua sombra, refutando e defendendo seus preceitos.

—Aos lirismos, em sentimentos retráteis, fotografados em memória eterna, em arte.—Distava os quadros de arte moderna, todas em freqüência uníssona.—Te afogo em cultura, ao saber, intelecto, ao excelso que completa o seu vazio, liderar no saber e em persuasão. Fazer se entender no conhecimento.

A presunção da arte e sua soberba trás asco até a própria imagem. A arte se maquia somente a fim de corroborar com sua falta de tato. Distorcida em valores, peca em profundidade. Faz-se ar de polegada.

—Um líder que não desdobra nem da sua moldura? Frisado no passado, lacaio de livros e senso dos autores... Da verdade e limites que te cabem, se perde em ilusões em tom pastel. Acaba em restringir e afunilar por cultura e manter erros em tradições. —Definhou a sombra desmistificando a aquarela, por ele, era sopinha de letras.

—E aos valores então? Do erário de seu mundo, em riqueza que compra ao teu conforto, sou cofre, que além de te comprar a galáxia, seguro os segredos mais profundos! Que camuflam o ego e protege blindado o frio do metal. Isola o eu dos ladrões do mundo, te esconde e zela por
segurança.



O cofre, de tal arrogância, flutuava num mar de cobiça, sempre escondido, um tanto vulnerável e, portanto, precisava de proteção. Reflete blindado o investimento, nega ações e quebra a 'bolsa de
valores'.

—Que líder é o que esconde o eu do todo? Preso na própria segurança e se perde nas senhas e alienações, não sente, não vive, não compartilha os sucessos. Não paga felicidade, me joga no vazio vasto da galáxia que compraste! Mente-se em segredos! Ao preconceito de sua barreira,
de sua distância. Tendo na segurança, o real perigo. —A sombra se mantinha impassível, prostrou-se ao relento, isolado em valia de reflexões. Logrando sua atenção, veio outro que pedia em posse seus direitos.

—E eu? Que aceito as tuas visitas? Instalo em portas, em quadros, em salas, amplio! Entendendo meu porte em geometria empírica por andares, sou parede, que se abre em fronteiras e limites. Adapto-me ao ambiente, ao clima, em vila de conceitos e reformo, eu que tolero as invasões, da paciência que me toma por concreto. Ao direito de saber o meu lugar...

Pensativa,a sombra deixou o silêncio por instantes para responder com a angustia à expectativa daquelas faces, driblando as dúvidas, tragou a impaciência.

—Tu, que distorces ao teu favor, conveniente em fronteiras para guardar tuas conquistas! Meça limites sobre a expansão, dá números ao meu terreno, me prende e me força pelo caminho, tudo por mera vontade do impulso! Postando em locais estratégicos para me levar ao teu agrado, se esconde real nas cortinas, cria expectativas e planos com suas janelas para o poente. E se tolera, é pra se manter erguida, pois é de pau a pique, teme até vendaval!

—Por suportar teu mundo, teria eu, valor? Por assistir em seus abalos sísmicos, seus edifícios, os passos, erosões, rachaduras... Teria valor, se assim tão sujo, fosse digno de confiança? Por moldar sua crosta, enterrar em mim suas raízes, o que teria como empenho senão total sustento?

—E por ser estático, se mostra inflexível. Quase me enganou com sua balela. Fica ai, imiscível ao mar, desse denso mundo abstrato.Suporta a superfície, quando o mundo real atua no interior, no manto quente do magma, pois a crosta é moldada por desastre natura, costuma a corroer, propensa a natureza instável. Se trás sustento, não vive sem ele. Logo, não é adaptado ao independente. —Ele já ia se retirando, mandaria o caos demolir o eu que havia construído.

—Então por não me enxergarem, não teria o meu direito? Só sou as bases erradas, soterrado debaixo da terra, alicerce, o primogênito do antro.

Todos riram, o teto zombou de sua baixeza, ao quadro a falta de cores, o cofre a pobreza dos traços, a parede debochou das traves, o chão por estar acima e mesmo na menor escala.

Humilhado, o alicerce se foi, a casa veio abaixo, reconstruir pelo nada, restaurar pela sombra, errar no vazio, operário do eu. »

Pontos:

Meneou ao sonho, já destituído de defesas, suplantado por sentidos, a grandeza por intensidade que devassa em seus valores. Um fidalgo que atravessa a porta da lei, sai do casulo, vislumbra o futuro em seu quintal, passa calmo pelo campo de seus planos, singrado e ruído pelo tempo.

Avistou o moinho de vento, pensamentos eólicos, que por energia se deriva, viaja em temperamento pelas costas do vento. O instinto se estende em floresta de relevo alto, selvagem, podendo se justificar na natureza e derivação dos somos, os soldadinhos de chumbo da comédia, o
meio que transborda em ironia.

Arrastou os pés ao poço, este, havia secado pela estiagem, inverno de nuvens de traço lasso, de sorriso ameno em meio a secura do ar. De uma camada de ozônio abalada, feita de pontes de hidrogênio com o ego, dativa com filosofias de bolso, com sérios buracos ao efeito estufa dos sentimentos, com gás carbono por combustível que queima em matéria-prima: as ilusões.

E por vertigem de distância e estrada para dentro do solo, o patife tonteou, por razão se agarrou a corda que se desenrolava no parapeito do humilde poço, caiu por efeito da gravidade magnética de seu interior, sem susto ou surpresa, mas por atração.

Estabacou em água rasa, manto solúvel que exalava cheiro doce, cor de sangue, consistente e denso. No antro do poço era visível, este se estendia num açude, uma caverna sinuosa e pontiaguda, estalactites e estalagmites que se fechavam como dentes.

Tochas vibravam doentes, delgadas e foragidas em meio ao tronco rochoso. Como se aquele átrio o soprasse para fora, como se sussurrasse... A luz ameaçava tímida pelos lampiões de fosco alaranjado, balançavam rangendo alto no fio de cobre. Vereda que se estendia como a palma que oferece em ventura.

Arriscou galgar na dúvida, os passos cegos na treva abissal. Pelos cantantes grilos no silêncio, pressupôs que era noite, ao se confirmar quando chegou ao abraço do céu, notou que as nuvens—manchas turvas que escondem o brio das estrelas—guardam a cor por trás da capa, conquanto
o vislumbre hipnotizasse e o puxasse pelos cílios.

Fim da parte I

(Próxima parte: O moiro do além-mundo.)


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